
É que Sedaris escreve com um estilete de aço que crava, sem hesitar, nos sítios onde dói mais das pessoas que lhe são mais chegadas. O seu humor é assassino, a sua capacidade para ler a natureza profunda oculta sob a fachada da linguagem e das convenções sociais é assombrosa, a coragem e despudor com que narra as mais humilhantes e embaraçosas situações mete medo. É certo que Sedaris é mestre da auto-irrisão e que a primeira vítima das suas “memórias” é ele próprio: em Álbum de Família surge como um miúdo escassamente dotado e infinitamente fátuo e depois como um jovem adulto inerme, que passa boa parte do tempo pedrado. E é verdade que algumas estocadas são desferidas com ternura e que se o primeiro resultado da leitura é a gargalhada perante a desventura alheia, o riso deixa quase sempre um travo pungente. Mas estas atenuantes não bastam para que os envolvidos possam desculpar a forma implacável como são retratados.
Independentemente do grau de distorção ou invenção, as histórias de Sedaris são perspicazes ensaios sobre a “inadequação” (não há uma boa palavra portuguesa para “inadequacy”) que aflige hoje a maior parte dos seres humanos e sobre quão complexas são as relações afectivas e quão doloroso é crescer.
Se Sedaris é capaz de extrair o grotesco e o bizarro do quotidiano anódino, a sua editora portuguesa esforça-se, pelo contrário, por desvitalizar e banalizar os originais títulos de Sedaris: When You Are Engulfed in Flames transformou-se em Diário de um Fumador e Dress Your Family in Corduroy and Denim deu este Álbum de Família.
José Carlos Fernandes (retirado do sítio timeout Sapo).
Passatempo onde vais ter de responder a três questões.
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